16.8.07

diversos pensamentos

pintura

I

Esta noite…

avistei uma estrela parindo.

Dos gritos saíram luzes

que aumentaram o céu.

II

Vou entrar no sítio por onde nasci,

mas vocês não,

porque não cabem!

III

Quando desejo

que Deus me atenda

ajoelho as palavras

no centro dos seus olhos.

IV

A luz que sai dos meus olhos

tem o dedo de Deus por de trás deles.

Ana Mª Costa

15 de agosto de 2007

13.8.07

Quotidiano

quadro


Existe um lugar conhecido pelo Fortim

onde a inspiração é suprimida pelo dever.

Esse lugar

na garganta frui um exército que pesa as horas

(não podem entrar com horas a menos ou levarem o equitativo)

Colocam na balança o nosso corpo medem a nossa moleza

e anotam tudo num quadro dentro do computador.

Depois

tens ordem para desalojar o coração do corpo ardil

com a carne e o teu nome,

tudo

remanesce inacessível dentro dos teus olhos.

Ulteriormente a fila de esqueletos humanos

aumenta com a tua vinda

procuras

o teu, no cheiro de sangue ainda fresco

é lá que penduras o casaco mais o resto da menstruação.

Aguardas que te enrolem o corpo com teias de aranha

E, abalas

com as veias vazias. Os reclusos olhos. Um corpo mendigo.

Fustiga nos ouvidos.

A montanha

das tarefas segue-te

como um animal fiel segue o dono até casa

rindo-se e dando ao rabo.

É tolerado…

murmurares algumas palavras durante o dia

Eu

só consumo uma no ar do Fortim

as outras deixo-as por aqui ….

Ana Mª Costa

12 de Agosto de 2007

12.8.07

Jorge Vicente

Pintura


9.

dizem: as perseguições foram há muito tempo, quando ainda havia
paredes dentro da casa e as relíquias dos mártires eram inatingíveis,
como um signo de amor que ainda não revelasse a sua face oculta

e são tantas,
tantas que as lágrimas apenas derramam o que resta do meu sangue. e
pareço quieto. e pareço firme quando sei que a chama me fará explodir
e que o meu corpo já não é a alma toda

dizem: é assim toda a cristandade. a alma não transporta o corpo nem
o resume. é uma entidade separada. de fora, o coração, o olho
esquerdo e o olho direito, a lágrima, a língua que inventa canções
quando o sangue vibra na chama

não, não é o corpo todo. o corpo não renuncia ao amor nem à dádiva de
ser tudo perfeito, como se eu fosse uma concha que vivesse mil anos e
fosse apenas isso. um lento entrar e sair, assumindo a morte e uma
gratidão sem limites. saberia que dormiria a seguir e que atravessava
um oceano infindo, num mar que não é meu, mas que pertence a todos os
homens.

Jorge Vicente

Da Literatura: CEM DIAS

Da Literatura: CEM DIAS

8.8.07

Jorge Casimiro e Ana Mª Costa

quadro de

Antônio Hélio Cabral


o vento no rosto


o vazio na alma

vem o tempo
vai o tempo
vem o dia
cai a noite
vem agosto
vai agosto

e no calor cíclico da espera
sopra-me este vazio na alma
pernoita-me este vento no rosto



jorge casimiro (agosto)

O aro do silêncio

alastra dentro da pele

segue a dor, dobra o corpo

e fecha nos olhos a rotação.

Ana Mª Costa

Exercício de Ana Mª Costa sob a obra de Assim Mesmo "Falo erecto"

pintura de

Lucy Citti Ferreira



Escrever sobre palavras nascidas do Assim Mesmo, é um prazer e ao mesmo tempo uma tarefa de as tomar com carinho, feição e amor sabendo que muito mais haverá a dizer e a dar-lhes.

Neste papel atribuído pelo FC sou a Ama das palavras do Assim Mesmo.

Começo agora…

Assim Mesmo confessa criar palavras por necessidade igual à necessidade fisiológica de obrar.

Porque não?

Cada qual sente de forma diferente ou diferentes são as formas de sentir!

“Beijo

Dizer o desejo!...

Eis o que desejo!

Falo de toda poesia:

Assim, bem alto, erecto!

Assim Mesmo”

Assim escreve obedecendo à ordem de um órgão. Um órgão ainda por nós incógnito que coabita com o musgo na anatomia, provavelmente poderá estar alojado dentro do pântano da vontade de cada indivíduo e digo pântano porque o caminho é cavernoso.

Assim, obedecendo ao corpo faz nascer as palavras.

Re_pleto

O plexo solar

Sobe no peito

A encher-se…

É a inspiração

Fisicamente

Presentificada

Assim Mesmo”

Procura falar a todos incluindo-se, em rituais…

crenças e convicções.

“ 5/6 acção 1/6 fracção

Explicando o poema

aplicando a poesia

nada do que digo

é dito, acresce a isto

que escrever é arte

silenciosa e intima

Assim Mesmo”

Um intervalo e uma bebida fresca e regressam os vocábulos…

“Sabor_e_ar

procurar-te-ei

no sítio do costume

sem ter horas marcadas

Na necessidade de te saber

sabor e ar (inspiração)

Onde poisas, poesia

Assim Mesmo”

O estudo dos variados livros abre o caminho sem muitos trilhos.

“tea

tea

tear da palavra

a poesia

é

um teatro aceso:

a palavra…

chama!

Assim Mesmo”

Nas mãos, nos dedos e na caneta tem a certeza que a tinta ocupará espaços vazios das linhas.

“Colori

POESIA FALADA

Fala(Colori)da

FALA DE COR

olho para a parede

em branco

até conseguir focar

as palavras a cor

depois começo este

processo fácil

de escrever

trago o essencial

para (o) dizer

uma fala de cor

Assim Mesmo”

A minha fala, falo falando como escreves naturalmente, dito desta forma, claro que é uma forma natural de se dizer, que algo é escrito como nasce, desejado e amado e, nu; inevitavelmente lembro-me dos primeiros seres a habitarem a terra segundo a Bíblia - Adão e Eva no paraíso. Imagens que ainda nos dias de hoje nos lembram as suas formas de vida simples e naturais e, aqui pode-se dizer que escrever poesia simples, natural e nua é um acto divino.

A FALA FALADA

é este dizer

em versos ou prosa

uma conversa (a)fiada

por coisa nenhuma

onde o motivo

aparente ou real

é um ideal sem ideal

falar para dizer

uma coisa necessária

um verso útil_i_tá_rio

Assim Mesmo”

Assim Mesmo começa como o dia, chega devagar…, escreve abrindo luz às palavras que acabam ou não, iguais são os seus poemas que são expirados ou não…! Não é sua a pretensão que os seus poemas e as palavras tenham fim ou final o que lhe importa é o acabamento de cada palavra.

“…

De vez 3

De vez em quand…acabo.

Assim Mesmo.”

Mestre dos momentos de liberdade intelectual, ele entrega as suas palavras num cesto para que sejam levadas para amadurecerem ou recriadas outras gerações de palavras.

Por vezes, consegue-se o resultado num texto, num poema ou num livro ou num teatro.

Feche-se os panos do palco a minha deixa termina com palmas ou não, talvez poesia…

“concha

Onde o mar deixou

Numa saudade

Seu som

Assim Mesmo”

“ERECTO FALO” de Assim Mesmo "falas" de Ana Mª Costa

05 de Agosto de 07

3.8.07

No calor da noite



O suor enche a voz de silêncios
sobe a elocução no umbigo
donde o eco larga bolhas.

Ana Mª Costa

E sempre navegando
De gota em gota
novos céus desbravando,
Avança-se pelos mundos dos ecos
onde novos suores
calam os silêncios
de novos sons
em espumas espraiados.

Carlos Luanda

Onde pára o tempo?

Encosta-se às esquinas
esperando a passagem
de sombras paradas...

Francisco Coimbra



isto é poesia partilhada como eu gosto de receber e fazer.

obrigada ao Carlos e ao Francisco



2.8.07

Para a Maria filhinha nininha do Denilson Neves

quadro

Belíssima análise crítica, com tudo nos conformes, e
do primeiro ao quinto. Saludos, Maria João! Um
lembrete oportuno é que a exposição de textos na
berlinda para análise não impede de voltar aos textos
já passados, ou analisar outros que não estejam na
vez, como se diz. Obrigado, Maria, pela participação,
e parabéns a Ana Maria por merecer análise crítica tão
sensível e lúcida. Um beijo nas duas. Maria José
Limeira.
..........

"Maria" já não está na berlinda, mas continua a
"perseguir-me", motivo por que não tenho outro
remédio senão dizer o que penso...
Apesar de ter sido escrito à pressa e com a finalidade
de salvar a honra do convento, gostei muito deste
texto. Acho que as regras gramaticais se
assustam" com a imaginação e a criatividade da Ana.
Penso até que o Luís Fernando Veríssimo se lembrou
dela, quando escreveu: " A Gramática precisa
apanhar todos os dias para saber quem é que manda!" rs
É que... as suas palavras não ficam com pés de
chumbo nem impedidas de transmitir a mensagem!
No entanto, para abolirmos determinadas regras
gramaticais, precisamos de as conhecer bem e de ter
um talento saramaguiano. Caso contrário, o texto
pode tornar-se confuso para o leitor.
Com um pouco mais de tempo e de atenção (e a Ana tem
consciência disso, felizmente...), teria sido
possível eliminar, pelo menos, algumas repetições:
"... Maria acenou que sim com a cabeça e colocou as
duas mãos debaixo da cabeça ..." ; " Os donos da
casa..."; "...O silêncio cortado pelo
dono da casa"; "perguntou o dono da casa" ; "disse o
dono da casa"; "O dono da casa apanhou o cesto do
chão..." ; " Despreocupados, os donos viviam sem
se preocuparem ...", etc.
Ana, se me permites, proponho que substituas, de vez
em quando, nos diálogos o verbo "dizer" por
exclamar, interrogar, perguntar, acrescentar, etc.
Penso que não se mede o valor de um texto apenas pelo
prazer que ele nos dá.
Contudo, este texto dignifica quem o escreveu e quem o
lê. Encanta-me e comove-me a história, a personagem
que a conta, a personagem que a escuta
(Maria riu-se e, desta vez, abraçou-se a ela
própria") e a ternura, o carinho, o respeito pelos
animais, seres tão explorados e tão martirizados
pelo homem...
Além disso, ora se entra no mundo da autora ( "Sabes,
Maria, eu não tenho filhos, por isso não sei o que é
dor de parto ou choro de bébé") ora no mundo da
imaginação em que ela dá a palavra às suas personagens
e cria situações que prendem a nossa atenção , do
princípio ao fim, conseguindo
até "agarrar" o leitor que não gosta de textos longos.
Dona de uma cativante imaginação, a Ana é, na
verdade, uma excelente contadora de histórias.
Parabéns!

Abraço
Maria João


MARIA
Um texto de Ana Maria Costa

(Análise crítica)

Maria José Limeira

Ô menina!... Que conto bonito este “Maria”, de Ana
Maria Costa, cheio de ternurinhas, sonhos, fantasias,
e tudo que há de enlevo para entreter adultos e/ou
crianças, sem mesmice ou xaropada... Longo,
longuíssimo para o meu gosto, mas sem perder o fio da
meada, trata-se daqueles textos que a gente lê com
muita curiosidade, sem perder nenhum detalhe, e quando
chegam ao fim, deixam saudades e gostinho de
venha-mais.
É um dos textos mais completos que vi nos últimos
anos, sobre o relacionamento de humanos com animais,
no gênero ficção. Mais interessante ainda é constatar
que personagens assim a gente encontra todo dia, entre
parentes e amigos: pessoas solitárias, com muito amor
para dar, que interagem com seus animais de estimação
como se eles fossem humanos.
Diz a Ciência que pessoas que convivem com animais de
estimação no mesmo plano, como amigos, podem reagir
melhor ao tratamento médico de doenças graves,
principalmente os idosos que haviam perdido sua
identidade interior e seus pontos de referência. Às
vezes, acontece de o animal “humanizar-se” para melhor
entender seu dono e ser compreendido também.
Ana Maria Costa desvenda esse processo de interação no
melhor estilo, com muita elegância, sensibilidade e
sabedoria.
O texto corre solto, sem amarras, com a autora
indiferente às regras de pontuação (e quem precisaria
de regras para contar a história de Maria?), sem
prejuízo do todo.
Gostei muito!

(Maria José Limeira é escritora e doce jornalista
democrática de João Pessoa-PB).
............

Maria

Ana Maria Costa

Tal como tu vieste ao mundo também outros Seres
vieram. Sabes Maria, neste mundo habitam muitas
pessoas e muitos animais. A maior parte dos animais
são inofensivos e para mim possuem magia no olhar como
as raposas e os gatos de que te vou falar a seguir.
Pouco depois de teres nascido no Brasil em Portugal,
na minha eira dentro de um caixote de papel, a
"menina" nome que demos à nossa gata pariu sete
nininhos ou melhor gatinhos mas que chamo nininhos
por serem pequeninos, como tu.
Sabes Maria, eu não tenho filhos, por isso não sei o
que é dor de parto ou choro de bebé. Por outro lado
talvez ame os animais preenchendo a falta de mais
família na minha casa grande, ou talvez não, mas isto
tu ainda não podes entender.
Queres que te conte a história da "menina" e dos
nininhos?
Maria abanou a cabeça afirmativamente e deitou-se,
meteu o dedo na boca e
chupava-o.
Está bem, vou contar a história da raposa e da
"menina" sentada ao teu lado e, tu porque não fechas
os olhos que eu tapo-te se adormeceres.
Era uma vez uma casa que não tinha gatos, os donos
viviam tristes e choravam muito porque gostavam muito
de gatos mas no tempo em que viviam era proibido ter
animais como companhia de humanos, era a lei.
Mas numa noite com muita chuva bateram no portão
principal com força, pum, pum e pum. Os donos da casa
estavam a jantar calados como em todas as refeições
acontecia.
Bateram outra vez, pum, pum e pum.
O marido levantou-se da mesa e foi abrir a porta,
cheio de medo.
Quem seria àquela hora da noite e com tanta chuva?
–disse o marido à esposa.
Pum, pum e pum, depois o silêncio cortado pelo dono da
casa ao mexer no trinque pesado do portão abrindo-o um
pouco de cada vez , espreitando o negro da outra parte
do muro da sua casa estava uma raposa sentada à sua
frente com um olhar doce e rapidamente lhe disse:
- Venho fazer uma entrega.
- De quê? Perguntou o dono da casa mas já não obteve
resposta da raposa porque ela desatou a correr debaixo
da chuva.
- Que estranho, afinal o que me veio entregar a raposa
se não vejo nada aqui? Disse o dono da casa.
Confuso, resolveu virar as costas e fechar o portão
quando ouviu um miar.
Ainda um pouco indeciso foi ver donde o miar vinha,
seguindo os sons cada vez mais aflitivos até junto de
uma árvore grande com uma cavidade no interior do seu
ventre e, lá dentro estava o cesto feito de palha com
um gatinho preto e branco muito pequenino ou nininho
como gosto de lhes chamar quando são pequenos, como
tu.
-Queres que continue o resto da história?
Maria acenou que sim com a cabeça e colocou as duas
mãos debaixo da cabeça
arranjando uma posição melhor na almofada.
O dono da casa apanhou o cesto do chão com muito
cuidado para não assustar o
gatinho que mais tarde vieram a confirmar ser uma
gatinha, e voltou para casa com passos grandes.
No quente da casa a "menina", miava muito e só o
deixou de fazer quando a tiraram do cesto e a puseram
no colo, um de cada vez, pegavam nela e faziam-lhe
muitas festas no seu pêlo macio preto e branco. A
"menina" era tão linda com olhos grandes muito
verdes e fazia ronron.
Assim, com te vou dizer: - ronronronronron miau.
Maria riu-se e desta vez abraçou-se a ela própria.
Eu continuei a contar a história da raposa da gata.
Despreocupados os donos viviam sem se preocuparam com
a lei que proibia com uma pena de converter os
humanos em raposas se esses possuíssem animais e
também já não queriam saber quem tinha enviado a
raposa entregar-lhes a "menina". Que entretanto deixou
de ser nininha e passou a ser uma gata dominadora da
casa e do quintal, entretendo-se a correr atrás das
galinhas soltas que bicavam as minhocas na terra e das
pombas que comiam as couves dos donos.
Tudo corria bem, o sol brilhava todos os dias, Mas um
dia começou a chover, no dia em que a "menina"
desapareceu sem deixar rastos. A chuva caiu durante
semanas só deixando de cair quando ela regressou à
casa, vinha cansada, suja, magra e sem forças que mal
se ouvia o seu ronron.
Os donos da casa estavam preocupados com o seu estado
e trataram dela com todo o carinho, revezando-se nas
noites, um de cada vez, hora a hora e, por vezes,
viam a lua no fundo do quintal onde pousava em certas
noites quando estava mais cansada. Numa dessas noites
de cuidados à "menina" à frente da lua viram a sombra
da raposa, ela estava sentada e parecia estar à
espera mas não se sabe de quê porque depois ia embora
sem dizer nada.
Os dias passaram e a gata melhorou ficando mais forte
e também mais gorda e cada dia mais gorda que mais
parecia um pipo de vinho. Os donos entenderam que a
"menina" ia ser mãe, e lembraram-se da ausência da
"menina" durante a chuva. É a necessidade de
continuar a espécie, deve-se ser mãe, para assegurar a
sobrevivência dos animais e das pessoas. É a lei, a
lei que transforma os homens e mulheres em raposas
quando são apanhados a infringi-la mas se reparares é
um ciclo de vida.
Sabes Maria, nesta altura, também tu estavas para
nascer.
Maria ainda estás acordada, querida? -disse distraída
ainda com os olhos dentro da história e passava a mão
na "menina" que dormia no meu colo.
Maria sorriu e, abriu os olhos e a raposa estava
neles, sentada olhava para mim e abanava o rabo.

16.07.2007

Ana Mª Costa

Minho actual tv