19.9.10

Palavras para o ar

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Mãe,
Porque meteste dentro de mim estas coisas: o fígado, pulmões, tripas, coração, sangue, enfim… carne? Estas coisas não falam comigo e obrigam-me a andar com elas. Ainda para mais, tu dizes que não devo andar com desconhecidos. Então porque me puseste um corpo que pouco fala comigo, quase não o conheço e há coisas que nunca irei ver?
Mãe, quando me puseste uma alma nos olhos, lembraste-te de verificar se estava em condições, não te enganaste? Como vês tão mal… podes ter-te enganado.
Mãe sabes se a alma também tem coisas dentro dela, daquelas iguais às minhas: fígado, pulmões, tripas, coração, sangue, enfim carne… enfim, dúvidas?!
Mãe, tudo o que meteste dentro de mim, em saquinhos brancos de linho: uns, continuam pendurados nas costelas; outros, pousados no ventre. Perto destes, há uma ameaça de roubo. Hoje em dia há ladrões para tudo. Então Mãe, os médicos querem alguns dos meus sacos, para examinarem o seu conteúdo. Insisto que tudo que me deste é meu e não o devo dar nunca. Mas Mãe não me avisaste que havia contra indicações dentro de alguns sacos e outros vieram vazios, sem nada, como ovos chocos. Como sabes, confundes as coisas e deverias ter pedido ajuda, quando colocaste os sacos dentro de mim quando nasci, devia ter sido antes do parto, mas esqueceste-te e agora nada trago para passar à minha geração. Os médicos querem-me analisar, tentar saber o motivo do engano.
Penso que é tudo um disfarce por parte deles, o que eles querem é os sacos de linho pendurados nas minhas costelas, porque alguns mexem por dentro e, no ventre, há um grande ovo, onde mora uma tecedeira parecida contigo, mas já é tão velha que as forças são poucas para fazer esforços e sair do cómodo lugar. Por isso, ladrões não me roubem o ventre!
Mãe, acaba os ovos que começaste a fazer para mim, quando era jovem e não acabaste ainda, porque vês mal e és analfabeta, não consegues ler as contra indicações que trazia dentro do frágil corpo vazio. Apesar das novas oportunidades, o que sabes não é suficiente para impedires que me roubem os sacos, com a saúde e minha juventude.



ana maria costa
2010

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