28.1.08

Carta de Luís Monteiro da Cunha



Foto de origem desconhecida

Esta carta é para ti

Luis Monteiro da Cunha*

Esta carta é para ti. Sei que te surpreenderá
receberes esta missiva após tão longo silêncio. Pelo
facto, peço que me perdoes; que nos perdoem as
palavras que então dissemos, esgrimimos e não
compreendemos, cegos que estávamos pela alvura do
momento. Desculpa este silêncio que plantamos, qual
barreira do tamanho de um oceano, que um dia – aquele
dia, lembras? – gota a gota, emergiu e deixamos fluir
entre nós, livre de peias, amargando a distância como
um céu escuro e tempestuoso.

Sabes que todos os mares encerram em si, segredos que
apenas os mais afoitos merecem desvendar. Considera
este gesto, um passo humilde no caminho da harmonia
que um dia nos abraçou e sei ser ainda possível
recuperar. Espero que estas letras, que desejo puras,
honestas e concisas, sejam o meio necessário para
navegar até ao teu âmago.

As palavras – que amamos como o sol da vida – foram a
nossa desgraça. São tão duais, as palavras; que por
vezes nos fazem esquecer as distâncias que um dia nos
aproximaram; outras vezes esquecemos a tradução que o
destinatário induz de uma mesma palavra. Convencidos
que somos, intuímos ao escrever, que as palavras são
verdadeiros e plenos mensageiros, conseguem transmitir
todos os significados e sentimentos com que foram
escritas e nesse gesto simples e gráfico, transportam
consigo a carga etérea e sublime de paixão ou devoção
do momento. Agora, compreendo que é – sempre foi e
será – um erro crasso e estúpido. Elas nada mais são
do que meios singelos de comunicar e de registro, de
factos que assomam na mente de quem escreve; mas este,
esquece um necessário e primordial preâmbulo do
destinatário: apenas será totalmente compreendido, se
o leitor estiver receptivo e – mais importante ainda –
tiver o mesmo cunho cultural, social e geográfico;
tudo o mais que possa diferir, apenas o fará
compreender parte da mensagem, olvidando ou
interpretando de uma forma díspar e pessoal o
restante. Acredito ter sido este o motivo do silêncio
nas palavras.

Já vou longo e a divagar. Termino, dizendo que as
palavras não deveriam ser amarras de navios ancorados
em margens opostas de um mesmo oceano, antes deveriam
ser sussurradas. Por isso aqui estou…

Se me perdoas e aceitas estas letras, procura-me na
tua rua; no teu jardim,
na mercearia; no bar; no escritório; procura-me à tua
porta, sou aquele que
está faminto, tirita de frio e dor, gemendo de
ignorância.

Até já…

Luís Monteiro da Cunha

26.1.08

Texto de Xavier Zarco para alguns amigos comuns



foto de autor desconhecido

O sábado é o dia em que coloco a correspondência electrónica em dia, ou o mais perto disso possível. Há disponibilidade, há tempo para ler o que se foi partilhando ao longo da semana através dos grupos em que participo.

Mas hoje é um sábado diferente. Diverso porque dois dos nossos camaradas estão doentes: o Manuel C. Amor e o Luís Monteiro da Cunha.

Sobre o primeiro escrevi: que “é um oleiro que ergue as suas peças com a sua própria argila, um amálgama de sentidos e sonoridades muita das vezes proporcionado por palavras oriundas da sua Angola”.

Sobre o segundo, disse que “nos seus poemas, denoto uma leveza extrema, um desprendimento que, por vezes, é surpreendente. Seus versos são para usufruto de quem desejar, de quem ousar. Neles observamos – ou podemos observar – pequenos instantes, histórias, quadros que se desenvolvem sob a batuta dos sentidos.”

Para eles, fica aqui os meus votos para que rapidamente voltem ao nosso convívio.

Mas hoje, dia vinte e seis de janeiro, o José Dias Egipto apresenta na sua cidade natal, Braga, o seu novo livro: “O último passageiro”, sob a chancela das Edições Calígrafo. Desejo, neste dia que é sempre especial para quem escreve, que seja um sucesso. O seu trabalho bem o merece.

Xavier Zarco

Eu assino por baixo.

20.1.08

LANÇAMENTO DO LIVRO "NASCIDO TARDE"

Foto de Altino Costa.


Tenho andado no universo,
onde não há sol ou noite...
A erva cresce nas lembranças
as palavras nascem sem cor.
Só tenho flores
que habitam nos meus olhos,
guardadas nas palavras que me oferecem.

Ana Maria Costa

Alguns elementos da equipa que compôs e lançou o livro "NASCIDO TARDE"


Foto de Altino Costa do evento do lançamento do livro "NASCIDO TARDE" de Ana Maria Costa.
A todos o meu muito obrigada.
Ana Maria Costa

Poema s/ título

Foto de Altino Costa de Ana Maria Costa (autora), Rúben Correia, Otília Costa e Joana (actores) no evento do lançamento do livro "NASCIDO TARDE" de Ana Maria Costa.



As palavras nuas do interior reboliço
saem dos lóbulos e do sexo
e é no sexo que se detonam as flores
e nos lábios que as pétalas desabrocham.
Ana Maria Costa

Nocturno

Foto de Altino Costa de Carolina Rangel no evento do lançamento do livro "NASCIDO TARDE" de Ana Maria Costa.

Nocturno

Lua dorme
a noite é cega
a estrela é cão!
Ana Maria Costa

Som

Foto de Altino Costa de José Gil e Jorge Vicente apresentadores do livro "NASCIDO TARDE" e autora Ana Maria Costa


Som
Apareço na minha voz!
Na fenda da língua
ecoo (me) …
Ana Maria Costa

Metamorfose


Fotos de Altino Costa de Ana Úrsula Costa (Ginásta Europeia) e a banda de Jazz "Amantedasleituras" no evento do lançamento do livro "NASCIDO TARDE" de Ana Maria Costa.

Metamorfose

Dos olhos
as lágrimas
abrem asas.

Ana Maria Costa

Pequenas coisas

Foto de Altino Costa da Tuna da UP (FLUP) "A CUCA" no evento do lançamento do livro "NASCIDO TARDE" de Ana Maria Costa

Flor é flor
quando abre
a sua cor.


II


Quando a boca
abre
o ar enche-a.


Ana Maria Costa



10.1.08

Geraldes de Carvalho



Autuanálise
Auto-análise


Assento-me no escabelo da minha consciência
e assisto maravilhado
ao desenrolar de múltiplos e incondicionáveis acontecimentos.
Que espectáculo maravilhoso !
Mas é preciso não sofrer de vertigens para suportá-lo.
Nascem-me, não sei de onde nem como,
ideias que borbulham ao princípio timidamente
para depois se imporem
e tudo ameaçarem inundar ;
e assim como vieram assim se vão
deixando é certo
uma impressão de imensa frescura
mas absolutamente nada de menos indefinido.
E as lembranças (?)
que assomam de buracos imprevisíveis
como ratos no cinema de Disney
e conforme encontram o terreno livre ou perigoso
assim se instalam, mas nunca tranquilamente,
ou passam correndo apenas reconhecíveis pelo sentimento ?
Também me enervam os ratos
mas não fujo para cima de nenhuma mesa.
Fico ali assistindo a cópulas monstruosas
em que dois -ou mais- destes seres inominados
se juntam e misturam impudicamente .
Pensamentos chamo eu
aos nascidos de partos de todas as categorias.
E, sempre sentado no escabelo da minha consciência
assisto ao crescimento dos meus pensamentos.
Sigo-lhes a vida a par e passo.
São milhares.
Discorrem ao princípio tranquilamente
a um lado e outro lado do conhecimento
e se encontram um pequeno obstáculo
fazem dele motivo de brincadeira.
Pequenos muros que saltam como cabritos contentes,
muros maiores que transpõem com galhardia
e maiores que transpõem com heroicidade.
São assim os meus pensamentos .
A sua vida é alegre mas não muito gloriosa
até que chegam ao último obstáculo.
É um muro grande grande de que se não vê o cimo
mas parece um muro deste lado.
Também podemos chamar-lhe o mistério
que é uma palavra para o que não tem palavras.
E depois que lá chegaram
e o enfrentaram
sem o conseguir ultrapassar
obstinam-se louca e encarniçadamente.
Empinam-se como cavalos generosos
e batem-lhe com as patas dianteiras.
Quando reconhecem a inutilidade dos seus esforços
quedam-se e reúnem-se para deliberar.
Então começam os desentendimentos.
Cada um tem a sua própria resolução
e engalfinham-se como galos estúpidos e barulhentos.
É aí que eu me levanto do meu escabelo
e cego pela ira -porque eu não admito violências-
procuro separar os contendores.
Luto com eles sem lhes ver a face
- irado como estou -
É uma luta terrível e silenciosa
e, subitamente,
encontro-me a esbofeteá-los.
Então uma grande calma nos invade
e voltam para mim a minha face magoada.

É por isso, é por isso
que eu tenho esta face magoada.


Geraldes de Carvalho
de “a outra luta de Jacob” Beira-Moçambique 1964

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