29.11.06

Parceria com Carlos

Fotografia: Mário Pereira



É no olhos da água que me vejo cavalo

é ao pôr do sol que sou vermelho

é quando descanso no regaço das tuas pedras e

é na leveza dos teus afagos que me pousam na crina

que o meu calor bebe no rio

Ana Mª Costa



y un azul y un sendero

y camino y un lugar

donde es bueno volver

con lenta marcha

sintiéndonos juntos

en contactolos cuerpos

y vivos

Carlos Alberto Roldán


Fala-me de lágrimas

Fotografia: Karmel




Hoje, ligo-lhe do telefone amarelo cheio de cuspo de letras da boca e hálito de quem tanto fala. procuro –a sedenta de novidades porque sei que daquela sua fonte de charcos de águas escondidas nas sombras tem aberturas na língua.

É por isso que lhe ligo!

A Maria da Conceição, é uma moça casadoira que vive por trás das cortinas, tem consigo constantemente o seu telemóvel vermelho de luzes azuis intermitentes, não usa outras máquinas para publicar as suas notícias processa-as interiormente em estranhos maquinismos de usos de carne como ficheiros e arquivos, pulsos de ondas acústicas e uma agulha que pica cada letra e liberta da cor a tinta para a palavra.

Maria tem o coração embrulhado num jornal _Aquele que quero ler, hoje.

Maria lembra-me uma bailarina com olhos doces de cabelo repuxado e amarrado na música de piano que zomba do tempo e todo o tempo é um arrepio quando falo com ela.

Hoje, fala-me de lágrimas -digo-lhe!

Pergunto como está vestida, ela não responde logo, primeiro respira fundo como se algo muito atrasado saltasse dos seus arquivos secretos aqueles que nunca se leram a ninguém! E finalmente decide dizer que está vestida de branco como quando tinha 9 anos e continua sôfrega com voz de nevoeiro e nas pausas de chuva começa a falar da sua infância.
Pelo tema que escolheu para me contar vou ter tempo para limpar as manchas antigas e encardidas do meu telefone.
Não preciso do bloco branco e de canetas para gravar as notícias que vou ouvir de Maria, limito-me a ligar o vídeo e as imagens mudam conforme o que ouço; sem ritmos certos, os meus olhos seguem atentos nos espaços castanhos que, por vezes, param de espanto ou abrem-se como a uma grande boca.

-Fui violada quando tinha 9 anos - disse ela - dormia num quarto com as minhas irmãs mais velhas. mais tarde contaram-me que também elas tiveram a minha idade e os mesmos pesadelos.

-não me faças muitas perguntas, por favor - disse docemente Maria quando me mexi na outra linha.

-julgava ser assim em todos os lares _ depois de uma breve pausa, continua_ sítios, casas, ou como os animais que costumava ver a brincar e a cheirarem-se em liberdade, a copularem nos campo verde dos fundos da minha casa como os gatos ou como os leões na selva_ eu pensava que a natureza era toda igual só mais tarde soube que não!

Mais uma vez Maria parou de falar!

Aproveito para verificar a bateria do vídeo que agora rola em silêncio a fita de um filme inédito escrito à muitos anos nas paredes do passado.

Com curiosidade de saber o resto do filme e, na demora de Maria que, entretanto, parecia ter tapado o bocal , enrolo os dedos nos caracóis da linha do meu telefone imaginando puxar a voz no telemóvel de Maria.

O meu silêncio espreita a sua voz que não tardou em aparecer com vestígios de ranho mas mais recomposta e não fosse ela uma boa actriz e, como tal, arranja-se ao seu papel e entra em cena..


Lentamente e baixinho à terra o som surge desenvolvendo a notícia.

Um dia à noite quando a madrugada beija as árvores e os mochos piam as horas. A puberdade acorda no quarto ao lado, sorrateira e bandida, avança pelo pequeno corredor que separa as diferentes naturezas e passo a passo, flutuam sonhos descalços debaixo dos meus cobertores só os consigo ver pela frincha da persiana onde passa a chama da lua com os sonhos predadores que tocam o meu sexo .

Maria faz outra pausa. Sento-me na cadeira acolchoada onde me arranjo à melhor posição e trinco pipocas dos segundos.
Esperando o final do intervalo, bebo Porto velho no copo da paciência.


Antes -continua Maria - sonhara com fadas azuis sentadas junto aos contentes rios, apanhavam flores para encher as minhas almofadas da cama e eu dormia com os cheiros de rosas sem espinhos.

Antes _eu escovara o cabelo comprido e pretos da minha boneca Úrsula com pentes de olhos.

Antes eu não reparara que por baixo da roupa curta e branca de uma bailarina ouvia-se um corpo, um fruto de pouca pelagem negra com dois gomos vermelhos _ ela era uma menina!

Guardava a minha boneca numa caixinha que pensara ser mágica, porque, de vez em quando, quando eu a abria, ouvia uma música de piano, tão linda que me fazia rodopiar.

Mais um silêncio da Maria mais um arranjo na cadeira e mais uma golada de Porto!

Retoma a voz ao telemóvel fervente e canceroso.

Naquela noite, da caixa de música, em vez da Úrsula , sai um feiticeiro muito feio e despido de batas de meias luas, adorna a cabeça com um chapéu bicudo e cheio de estrelas que reluzem como os seus olhos maléficos. Ele, sem dar gargalhadas, calado no sussurro, devagar acaricia a sua varinha mágica entesada,, para cima e para baixo, à medida que a sua mão aperta os gemidos aos astros do quarto. Tem ao mesmo tempo, no sexo do meu triste sonho a outra mão, com dedos de bruxo nos meus gomos vermelhos , são abertos os portões do pequeno buraco.

grito NÃO.

Durmo ou estou acordada?

Desligo o telefone!

Respiro e penso!

- Ninguém conta histórias como a Maria Conceição.


©Ana Mª Costa

24 de Novembro 2006

colo comentários feitos pelos meus amigos da lista "Amantedasleituras" - Carlos luanda e Alexandra Oliveira, a este texto.

Suspira o orvalho, gotas de segredos

nas noites do teu corpo.

Do fundo do sonho, um céu em rios de aguas doces,

corre por entre os dedos

despertando os vermelhos da madrugada

Carlos Luanda

Alexandra Oliveira diz:

(...)é um dos textos mais bem escritos, mais plenos, mais sentidos, que tenho tido a honra de ler nos últimos tempos.

jinhos para ambos!

Ana

28.11.06

uma pequena pérola

Fotografia: Izudin Lelic



Do eco

responde o silêncio

às folhas

das árvores quando

o Outono

levanta

voo!


Ana Mª Costa



Que me desculpem os caros confrades por ter retirado este pequeno texto, mas um grande poema, do contexto do poema colectivo "O Pato Grasna no Silêncio do Eco" É que, às vezes, senão muitas vezes, a intertextualidade cria pérolas como esta:

"Eco, a ninfa que distraía Hera, mulher de Zeus, para este tecer brincadeiras com as outras ninfas no bosque, aqui, neste poema, intencionalmente ou não, a autora corta, irremediavelmente, o processo ad infinitum típico de uma voz que ecoa numa montanha até se perder do ouvinte primeiro, mas que continua, para sempre, noutras aragens. o verbo responder é o culpado desta situação que pode parecer insólita, retomada pelo outono que levanta voo. o outono é outro eco que se liga ao primeiro, na atitude dialógica do poema".

José Félix

Muito obrigada, Félix!
jinhos
Ana

hoje

Fotografia: Autor Desconhecido





Hoje visto os meus olhos de castanho a condizer com a pele da terra
Hoje visto a minha boca de rosa a condizer com a minha roupa interior
Hoje visto ao meu cabelo o cheiro de rua a condizer com o perfume dos meus passos
Hoje visto nas minhas mãos o passado e nos bolsos da vida escondo detritos secos
Hoje visto nos dedos anéis de madeira que reluzem a ouro
Hoje escrevo a branco o que condiz a um fundo de cor diferente!

Ana Maria Costa

com o francisco coimbra

Fotografia: Autor Desconhecido



ANA MARIA

nunca escrevo poesias para as pessoas
pois as escrevo com elas e por elas
mas sem ser para as dar senão
como as flores nascem do chão
nas plantas que as dão
assim plantei este poema para ti!
(fazendo uma poesia à moda do Assim)




Francisco Coimbra



*

VIDRO INCOLOR

pequenas peças do meu corpo

sabes que gosto de flores! envio letras...
são delas o perfume que me trás a pele do meu amor
mas penso que não nasce das plantas
mas sim do vidro incolor

Ana Maria Costa

miragem

Fotografia: Helder Almeida



É sobre a tábua da tua imagem que a paisagem
Segura o horizonte cansado das tuas cores
na miragem do baço corpo em que mergulho água
limpo as recordações dos sorrisos oferecidos
como crianças em imaginação agarram o arco-íris.


Ana Mª Costa

críticas feitas a este poema dos elementos da :

oficina_literaria@yahoogrupos.com.br

MIRAGEM

Um texto de Ana Maria Costa(Análise crítica)Maria José Limeira

Temos aqui um texto belíssimo, Poesia do primeiro ao quinto, nesse “Miragem”, de Ana Maria Costa.

Um verdadeiro achado!

É um poema, na verdadeira acepção da palavra, com todas as letras, e de uma elegância impar. Metáforas não lhe faltam, com ritmo, musicalidade, movimento, e tudo que um texto pede para se chamar poema.

Um exemplo de concisão!

O mais admirável nesse texto é que se destaca nele a imagem plástica de alguém que pegou prancheta, tintas,pincéis, e pintou um quadro, onde não falta natureza morta (e também viva!), o humano se sobressaindo num fundo azul, feito de horizontes, recordações, sorrisos e crianças correndo em busca do arco-íris. O “arco-íris” aqui não é somente o resgate dos desejos infantis de atingir o inalcançável. Trata-se, além do mais, da idéia original da artista plástica que manipula as cores para manifestar seus sentimentos.Todo o texto se justifica através de palavras que não são apenas simples palavras que a frieza dos dicionários expõe. Trata-se de redescobri-las e lançá-las como grandes novas num mundo de possibilidades que nos escapam a olho nu.

É preciso voltar a ser criança e retomar a inocência para escrever texto tão lindo!

(Maria José Limeira é escritora e doce jornalista democrática de João Pessoa-PB)

-*-

O texto <> de Ana Maria Costa surpreende pela riqueza de imagens

É um texto que fala de memórias, aquelas que criamos nós para compensar o que não temos.

No fim do arco-íris não haverá, então, um pote de ouro, mas a inocência perdida, e no encontro com ela, a segurança, o útero.

Parabéns poeta... um excelente trabalho.

Abraço Anderson Santos

Miragem - Ana Maria Costa - "Analisando

Belíssima miragem, Ana.

Imagens (miragens?) muito bem contruídas a nos

lembrar que vivemos bem mais das/nas nossas memórias (boas e más) que

no presente, no aqui e agora.

Abs e parabéns.

Denilson

Oi, Ana!

Que beleza de texto!

É tão bom ler e formar nitidamente a cena em nossa mente!

Simples, pequeno e eficiente!

Amei!

Um beijo

Francine Ramos

também eu me congratulo com a ana, principalmente por este verso:

"como crianças em imaginação agarram o arco-íris"

líria Porto

Embora tardiamente, queria ainda dizer-te, Ana, que gostei muito do teu poema "Miragem". Ao tentar penetrar nas suas galerias, senti que tudo se torna possível, quando conseguimos ressuscitar a infância ("... Como crianças em imaginação agarram o arco-íris"). E assim, o acto poético desoculta o que está escondido, harmoniza luz e sombra, presença e ausência, plenitude e carência... Como disse a nossa amiga Maria Limeira," pegaste prancheta, tintas, papéis e pintaste um quadro" que eu gostava de pendurar numa parede do meu quarto. Gosto de ver a poesia e a pintura a caminhar de mãos dadas, como velhas colegas de escola. São muito belas as cores que não foram ditadas pela percepção, mas sim por tudo o que o poeta sente.

Parabéns, Ana! Um abraço

Maria João Coimbra

Obrigado a todos!

Ana Mª Costa

agradecimento

Fotografia: Astro

Recebi em pvc este mail:

Querida Ana. Como está indo? Espero que tudo esteja correndo bem para você. Olhe, quero lhe comunicar que fui o primeiro colocado num Concurso de Poesia no Estado onde resido. Cada candidato concorria com 10 poemas. Houve 80 candidatos. Estou lhe dando essa notícia, porque foi você que me incentivou a escrever poesia, já que sou ficcionista.
Um jinho do Francisco

Este é o poema vencedor:

DISCORDÂNCIA

Perdoe a ousadia de discordar de você,
alguém que na poesia anda de gatinhas.
E ama demais os versos
que o seu gênio de vozes múltiplas criou.
Mas, Fernando, não acho que o poeta seja um fingidor

Francisco Sobreira


Obrigada eu pelo carinho que me dás francisco!

Ana Maria Costa

com maria josé limeira

Fotografia: David Rostagno




MONÓLOGO À BEIRA-MAR





Ah, tristeza.
Quantas dores
e decepções
são necessárias
para escrever
na areia branca
a palavra solidão?
Entre mágoa
e despedida,
um diálogo
que não se exprime.
Todo pedido de socorro
agoniza esmagado
no meio da multidão
entre as buzinas do tráfego.
Tristeza.
Muda de nome.
Serás chamadade pássara!

Maria Limeira doce Jornalista




*



Maria o mar já te respondeu?
e que disse?
queres que fale com as areias
para que te toquem
com carícias e beijos?
diz-me Maria
para que as mande ter contigo
aos milhares e uma por uma
falarão das confissões
e segredos de amor
que deram ao mar.
Maria, a minha areia
também te irá beijar
e o meu segredo,
o mar te irá levar
nas ondas que rebentam
por não aguentarem
de tantas palavras
que lhes dão.
não vês?
Que é por isso que as
ondas acabam nas areias
é para que possas pegar
nos segredos e nas amarguras todas,
senão...
como irias pegar em água
ou em palavras d'água
e levá-las contigo?
mas não digas nada às pedras
porque são areias mortas
já nada podem fazer!



Ana Maria Costa


*

A resposta de Maria


Isso é tão bonito de se ver. Sabia? Você é uma Poetisa Linda que eu gosto muito. Viu? Estou muito contente que meu texto triste tenha lhe inspirado tanta beleza em sua resposta. Saludos & Obrigada. Maria José Limeira.

com o basilio miranda (2)

Fotografia: Miranda





Não se esquece o que toca
a fibra dos sentidos
vez alguma
a palavra que roçou o corpo
foge
mesmo que a voz nunca lá esteja
um desejo quieto
corre
um suspiro breve
um olhar esquecido
acorda com a surpresa do teu rosto
um beijo cala-se
bem ao fundo do peito
e na concha das minhas mãos
brilham os teus lábios.



Basilio Miranda


*

E a voz ela é pó
que se levanta no ar
e pousa no sólido da respiração que dorme no ventre
e um olhar longe é o ouvido do horizonte no beijo com o monte
e é no gemido da terra que engole as veias
que nasce a palavra amor que arde no corpo
quando os teus lábios falam aos beijos.






Ana Maria Costa

com o basilio miranda (1)

Fotografia: Sad Girl




Perde-se a palavra




palavra faz o momento
fabrica ossos e asas, dita o dia.
a palavra faz o encontro
mais longo do que podem os olhos.
a palavra adoece na hesitação dos lábios
morde o coração se perde a voz.
quer pulsos, quer veias, quer um corpo
que lhe seja leal e firme, a palavra
corre entre neurônios atônitos
sua potência escorre, perde-se
onde um coração cansado, descrente
já não advinha o rumo.

Basilio Miranda




Encontra-se a palavra



O momento faz a palavra
Dita a noite fabrica das luzes

O encontro faz a palavra
Mais longa que o toque.

Quer gestos, quer pele, olhos
Que falem uma língua, a palavra.

Perde-se uma força que escorre
Entre virgulas, pontos e espaços.

Encontre-se a palavra_fé
Nas mãos de um coração.

Ana Maria Costa

com a mónica correia (3)

Fotografia: Autor Desconhecido





De costas encostadas murmuramos palavras no silêncio do nosso entendimento.
Cruzamos as pernas em posições diferentes no chão desarrumado de sentidos
E sentimos a frieza do cimento de forma distintamente complementar.
O som atravessa o nosso corpo e extravasa abraços de interpretações,
Trazemos nas mãos a sabedoria das inquietações do olhar.




Mónica Correia


*

Ainda te digo mais…!
O nosso projecto estilhaçou-se nos ventres das nossas mães
Foi no vento que os fragmentos se juntaram e colaram-se formando uma bola_ a mistura dos nossos pensamentos
Quando nascemos a tua cegonha perdeu-se e trouxe-te mais tarde
estive à tua espera na janela que me deram
enquanto na tua cresceram as flores e as ervas sem cores
se não fosse os dias terem asas e se nas horas não nascessem as verdadeiras coincidências
hoje da minha janela com a minha cegonha_ainda te esperava.

Ana Maria Costa

com a mónica correia (2)

Fotografia: Autor Desconhecido



Caem estrelas dos teus olhos e são cintilantes como as tuas palavras.
O afecto que desencadeias nos retratos que nos tiras diariamente
Marca o papel como um timbre que não se desgasta no tempo.
É o teu tempo de viveres na luz através dos olhos do mundo.
Obrigada pelo talento que pousas levemente no quotidiano
E pelo alento que ofereces como flores pintadas no quadro da escrita



Mónica Correia



*

É do relento que o nu se agasalha e nem sempre da lã sai o calor!
O papel não é mais que um lenço ou um saco que se enche de vida
Das nossas, da tua e da minha num voo que se abre ao nosso mundo restrito _somos nós
Somos nós vivas ou já mortas?

O papel o diz ou dirá porque as estrelas já o são_lidas
Falámos, rimos, comemos, amamos, choramos e encarnamos tudo no mesmo corpo e no cimo das nossas chaminés, esperamos de mãos coladas, o espírito que vem completar-nos
Não é do talento, não é da carne é mais de dentro que expulso as sementes para o meu jardim e, quando a semente é boa, colho-a da flor, sábia do calor que ela tem para mim.
Somos sonhadoras que pensamos colher os dias ao mundo num ramo de flores e alegrar com impulsos ou emoções os pequenos corações que pulam aprisionados no cárcere corpo.
Somos tudo isto mas tudo mais também!



Ana Maria Costa

Minho actual tv