2.8.07

Para a Maria filhinha nininha do Denilson Neves

quadro

Belíssima análise crítica, com tudo nos conformes, e
do primeiro ao quinto. Saludos, Maria João! Um
lembrete oportuno é que a exposição de textos na
berlinda para análise não impede de voltar aos textos
já passados, ou analisar outros que não estejam na
vez, como se diz. Obrigado, Maria, pela participação,
e parabéns a Ana Maria por merecer análise crítica tão
sensível e lúcida. Um beijo nas duas. Maria José
Limeira.
..........

"Maria" já não está na berlinda, mas continua a
"perseguir-me", motivo por que não tenho outro
remédio senão dizer o que penso...
Apesar de ter sido escrito à pressa e com a finalidade
de salvar a honra do convento, gostei muito deste
texto. Acho que as regras gramaticais se
assustam" com a imaginação e a criatividade da Ana.
Penso até que o Luís Fernando Veríssimo se lembrou
dela, quando escreveu: " A Gramática precisa
apanhar todos os dias para saber quem é que manda!" rs
É que... as suas palavras não ficam com pés de
chumbo nem impedidas de transmitir a mensagem!
No entanto, para abolirmos determinadas regras
gramaticais, precisamos de as conhecer bem e de ter
um talento saramaguiano. Caso contrário, o texto
pode tornar-se confuso para o leitor.
Com um pouco mais de tempo e de atenção (e a Ana tem
consciência disso, felizmente...), teria sido
possível eliminar, pelo menos, algumas repetições:
"... Maria acenou que sim com a cabeça e colocou as
duas mãos debaixo da cabeça ..." ; " Os donos da
casa..."; "...O silêncio cortado pelo
dono da casa"; "perguntou o dono da casa" ; "disse o
dono da casa"; "O dono da casa apanhou o cesto do
chão..." ; " Despreocupados, os donos viviam sem
se preocuparem ...", etc.
Ana, se me permites, proponho que substituas, de vez
em quando, nos diálogos o verbo "dizer" por
exclamar, interrogar, perguntar, acrescentar, etc.
Penso que não se mede o valor de um texto apenas pelo
prazer que ele nos dá.
Contudo, este texto dignifica quem o escreveu e quem o
lê. Encanta-me e comove-me a história, a personagem
que a conta, a personagem que a escuta
(Maria riu-se e, desta vez, abraçou-se a ela
própria") e a ternura, o carinho, o respeito pelos
animais, seres tão explorados e tão martirizados
pelo homem...
Além disso, ora se entra no mundo da autora ( "Sabes,
Maria, eu não tenho filhos, por isso não sei o que é
dor de parto ou choro de bébé") ora no mundo da
imaginação em que ela dá a palavra às suas personagens
e cria situações que prendem a nossa atenção , do
princípio ao fim, conseguindo
até "agarrar" o leitor que não gosta de textos longos.
Dona de uma cativante imaginação, a Ana é, na
verdade, uma excelente contadora de histórias.
Parabéns!

Abraço
Maria João


MARIA
Um texto de Ana Maria Costa

(Análise crítica)

Maria José Limeira

Ô menina!... Que conto bonito este “Maria”, de Ana
Maria Costa, cheio de ternurinhas, sonhos, fantasias,
e tudo que há de enlevo para entreter adultos e/ou
crianças, sem mesmice ou xaropada... Longo,
longuíssimo para o meu gosto, mas sem perder o fio da
meada, trata-se daqueles textos que a gente lê com
muita curiosidade, sem perder nenhum detalhe, e quando
chegam ao fim, deixam saudades e gostinho de
venha-mais.
É um dos textos mais completos que vi nos últimos
anos, sobre o relacionamento de humanos com animais,
no gênero ficção. Mais interessante ainda é constatar
que personagens assim a gente encontra todo dia, entre
parentes e amigos: pessoas solitárias, com muito amor
para dar, que interagem com seus animais de estimação
como se eles fossem humanos.
Diz a Ciência que pessoas que convivem com animais de
estimação no mesmo plano, como amigos, podem reagir
melhor ao tratamento médico de doenças graves,
principalmente os idosos que haviam perdido sua
identidade interior e seus pontos de referência. Às
vezes, acontece de o animal “humanizar-se” para melhor
entender seu dono e ser compreendido também.
Ana Maria Costa desvenda esse processo de interação no
melhor estilo, com muita elegância, sensibilidade e
sabedoria.
O texto corre solto, sem amarras, com a autora
indiferente às regras de pontuação (e quem precisaria
de regras para contar a história de Maria?), sem
prejuízo do todo.
Gostei muito!

(Maria José Limeira é escritora e doce jornalista
democrática de João Pessoa-PB).
............

Maria

Ana Maria Costa

Tal como tu vieste ao mundo também outros Seres
vieram. Sabes Maria, neste mundo habitam muitas
pessoas e muitos animais. A maior parte dos animais
são inofensivos e para mim possuem magia no olhar como
as raposas e os gatos de que te vou falar a seguir.
Pouco depois de teres nascido no Brasil em Portugal,
na minha eira dentro de um caixote de papel, a
"menina" nome que demos à nossa gata pariu sete
nininhos ou melhor gatinhos mas que chamo nininhos
por serem pequeninos, como tu.
Sabes Maria, eu não tenho filhos, por isso não sei o
que é dor de parto ou choro de bebé. Por outro lado
talvez ame os animais preenchendo a falta de mais
família na minha casa grande, ou talvez não, mas isto
tu ainda não podes entender.
Queres que te conte a história da "menina" e dos
nininhos?
Maria abanou a cabeça afirmativamente e deitou-se,
meteu o dedo na boca e
chupava-o.
Está bem, vou contar a história da raposa e da
"menina" sentada ao teu lado e, tu porque não fechas
os olhos que eu tapo-te se adormeceres.
Era uma vez uma casa que não tinha gatos, os donos
viviam tristes e choravam muito porque gostavam muito
de gatos mas no tempo em que viviam era proibido ter
animais como companhia de humanos, era a lei.
Mas numa noite com muita chuva bateram no portão
principal com força, pum, pum e pum. Os donos da casa
estavam a jantar calados como em todas as refeições
acontecia.
Bateram outra vez, pum, pum e pum.
O marido levantou-se da mesa e foi abrir a porta,
cheio de medo.
Quem seria àquela hora da noite e com tanta chuva?
–disse o marido à esposa.
Pum, pum e pum, depois o silêncio cortado pelo dono da
casa ao mexer no trinque pesado do portão abrindo-o um
pouco de cada vez , espreitando o negro da outra parte
do muro da sua casa estava uma raposa sentada à sua
frente com um olhar doce e rapidamente lhe disse:
- Venho fazer uma entrega.
- De quê? Perguntou o dono da casa mas já não obteve
resposta da raposa porque ela desatou a correr debaixo
da chuva.
- Que estranho, afinal o que me veio entregar a raposa
se não vejo nada aqui? Disse o dono da casa.
Confuso, resolveu virar as costas e fechar o portão
quando ouviu um miar.
Ainda um pouco indeciso foi ver donde o miar vinha,
seguindo os sons cada vez mais aflitivos até junto de
uma árvore grande com uma cavidade no interior do seu
ventre e, lá dentro estava o cesto feito de palha com
um gatinho preto e branco muito pequenino ou nininho
como gosto de lhes chamar quando são pequenos, como
tu.
-Queres que continue o resto da história?
Maria acenou que sim com a cabeça e colocou as duas
mãos debaixo da cabeça
arranjando uma posição melhor na almofada.
O dono da casa apanhou o cesto do chão com muito
cuidado para não assustar o
gatinho que mais tarde vieram a confirmar ser uma
gatinha, e voltou para casa com passos grandes.
No quente da casa a "menina", miava muito e só o
deixou de fazer quando a tiraram do cesto e a puseram
no colo, um de cada vez, pegavam nela e faziam-lhe
muitas festas no seu pêlo macio preto e branco. A
"menina" era tão linda com olhos grandes muito
verdes e fazia ronron.
Assim, com te vou dizer: - ronronronronron miau.
Maria riu-se e desta vez abraçou-se a ela própria.
Eu continuei a contar a história da raposa da gata.
Despreocupados os donos viviam sem se preocuparam com
a lei que proibia com uma pena de converter os
humanos em raposas se esses possuíssem animais e
também já não queriam saber quem tinha enviado a
raposa entregar-lhes a "menina". Que entretanto deixou
de ser nininha e passou a ser uma gata dominadora da
casa e do quintal, entretendo-se a correr atrás das
galinhas soltas que bicavam as minhocas na terra e das
pombas que comiam as couves dos donos.
Tudo corria bem, o sol brilhava todos os dias, Mas um
dia começou a chover, no dia em que a "menina"
desapareceu sem deixar rastos. A chuva caiu durante
semanas só deixando de cair quando ela regressou à
casa, vinha cansada, suja, magra e sem forças que mal
se ouvia o seu ronron.
Os donos da casa estavam preocupados com o seu estado
e trataram dela com todo o carinho, revezando-se nas
noites, um de cada vez, hora a hora e, por vezes,
viam a lua no fundo do quintal onde pousava em certas
noites quando estava mais cansada. Numa dessas noites
de cuidados à "menina" à frente da lua viram a sombra
da raposa, ela estava sentada e parecia estar à
espera mas não se sabe de quê porque depois ia embora
sem dizer nada.
Os dias passaram e a gata melhorou ficando mais forte
e também mais gorda e cada dia mais gorda que mais
parecia um pipo de vinho. Os donos entenderam que a
"menina" ia ser mãe, e lembraram-se da ausência da
"menina" durante a chuva. É a necessidade de
continuar a espécie, deve-se ser mãe, para assegurar a
sobrevivência dos animais e das pessoas. É a lei, a
lei que transforma os homens e mulheres em raposas
quando são apanhados a infringi-la mas se reparares é
um ciclo de vida.
Sabes Maria, nesta altura, também tu estavas para
nascer.
Maria ainda estás acordada, querida? -disse distraída
ainda com os olhos dentro da história e passava a mão
na "menina" que dormia no meu colo.
Maria sorriu e, abriu os olhos e a raposa estava
neles, sentada olhava para mim e abanava o rabo.

16.07.2007

Ana Mª Costa

1 comentário:

jorge vicente disse...

um dos mais belos textos que escreveste, Ana!!! Tão bonito!

um beijo
jorge

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