20.1.07

A loja dos sorrisos


Hoje, vou comprar um sorriso, dos saldos,
na loja da esquina da rua dos Postiços.
Já o avistara, quando nasci, mas, não
tinha dinheiro.

Quando entrei na loja, estava cheia
de crianças mais novas, umas, outras
mais velhas que eu. Mal podia mexer-me.
Escorregava nas lágrimas que lavavam o chão.

À medida que me entranhava nos corredores
da loja, afastava os lábios, atractivos , que se
dirigiam para mim, mas eram mais caros do
que o sorriso que queria ter.
Era o Marketing que anunciavam na televisão.

O meu sorriso estava no fundo da loja, na secção
dos sonhos adormecidos, dentro de uma caixa de
laje branca. Com letras verdes, que a piscar,
acendiam o meu nome - aquele que não tinha -
antes de nascer. Tracei passos no mapa, a sua
direcção, esmigalhei pernas, sapatos, corações
- uns a quem conhecia - outros que só os vi
algures, uma só vez.

Passo a secção dos semblantes e gosto do mais
aberto; apercebo-me que era um desvio, para que
não comprasse o meu sorriso. Resisto à tentação.

Agarro na mão os espelhos dos meus anos,
que trago no bolso. Quebro-os na raiva dos dentes.

Na distância longínqua, perdi muito tempo a chegar
ao meu sorriso. Como um rio, que leva cheio o árido
ventre de verão; a água fica no fio do leito.

Alguém se tinha adiantado. Estava com
o meu sorriso, na mão, experimentando-o.
Não chorei logo, mas ajoelhei-me na voz
da oração; pedi a Deus que mo devolvesse.
Ele disse-me que era um engano dos anjos,
que este, não era o meu sorriso definitivo.
Comecei a cantar palavras de humilhação.
A esperança esvazia-se do meu balão.

Sei que não devo chorar novamente,
as lágrimas que se perderam no fundo
do queixo, quando saltaram para o abismo.
As lágrima são todas suicidas!

Encontro no mofo coração, o meu feitio
de mula. Com ele monto a mais alta
montanha do mundo - que nunca vi,
nem dela sei o nome.

Despi-a do gelo e da carne, enquanto
orava alto. Mais alto que qualquer
criança birrenta, mimada no colo do açúcar.

Assim, permaneci anos, - para mim séculos - não sei,
até que as nuvens choraram. Deus também!
- Foste ouvida! - disse uma besta, que me ouviu,
nas suas asas sem cor, oculta por muitos olhos.
(Iguais aos meus vendem-se na loja, na rua das Águias
Cegas, perto da loja do suposto "Meu sorriso").

Sorriso que acabo de comprar, nos saldos da hipocrisia.

Hoje finalmente, vou usá-lo,
e pensar que sou feliz.


Ana Mª Costa
19 de janeiro de 2007

imagem de Teresa Fonseca


18 comentários:

Manuel Veiga disse...

que nunca a voz te doa, as tuas palavras sãomuito belas...

Anónimo disse...

Percorrer esta merecida página não é uma imposição, mas, tão-somente, um prazer lúdico, para ver a elegância, qualidade, de braço dado com a noção de estética e bem-fazer. Afinal, tenho a sorte de puder apreciar e visitar este agradável blogue. Óptimo fim-de-semana.

Anónimo disse...

Belo...Belo...

Um beijo*

Poesia Portuguesa disse...

Que o sorriso te saia da alma e nunca da hipocrisia da vida...

Um abraço carinhoso e bom fim de semana ;)

Anónimo disse...

Também quero comprar um sooriso assim. Reserva um aí pra mim? Passe lá. Riodaqui leva um beijo na correnteza. Paulo Vigu

Anónimo disse...

puxa.adorei o texto.. acho que também vou comprar um sorriso ali na esquina..

Garcia disse...

"Tenho um sorriso fechado na palma da minha mão. Sorriso que foi achado, caído no meio do chão..."

Daniel Aladiah disse...

belo...
fiquei sem resposta...
por aqui andarei...
um beijo
daniel

Anónimo disse...

QueridAna,
Lindo. Perfeito.
Boa semana, cheio de sorrisos pra você e os seus.

J.T.Parreira disse...

Ana, gostei,já voas alto como um pássaro da poesia.
Um beijo,
João

Amaral disse...

Deixa-nos sem palavras este belo poema ao "sorriso", tão cheio de ternura, tão cheio de ti...
Uma lágrima adormecida, um rebento no coração! Na loja dos sonhos há sempre um sorriso! Mas não só na lojas dos sonhos!
Também no espelho da alma se reflectem alegres paixões...
Para que, ao usares o teu sorriso definitivo, não "penses" (somente) que vais ser feliz!...

Manuel Veiga disse...

um beijo...

A. M. Catarino disse...

ofereceste-me um sorriso de graça com este poema

beijinho

Anónimo disse...

olá minha querida. folgo em saber-te tão bonita nas palavras. não me surpreende de resto. que continues! um grande beijinho *

Iara Maria Carvalho disse...

a sua voz não se cala mesmo, e é linda...

P.S.: você me perdoaria se eu dissesse que ainda não aprendi a mexer no grupo Amantes da Leitura? ai ai...analfabeta... mas a gente tenta!

beijos...

Anónimo disse...

Sei duma loja
onde nada se vende,
nada se compra.
Sai-se de lá
com mil sorrisos
que nos dão
pelo que do nosso
deixámos em troca...

Mikas disse...

Olá querida, espero que esteja tudo bem contigo.

sem naufragar disse...

Olá : )
Adorei este texto. É adulto. Escrito de um modo muito feminino e rigorso. Parabéns!
Comentando... Sorrir é importantíssmo. Sorrir à vida.
Um dia sem sorrir é um dia triste.
O que nos faz sorrir são muitas vezes ilusões, cores, sabores, ilusões.
Os ladrões dos sorrisos não têm máscara, são bem verdadeiros e não avisam.
Mesmo quando o dia começa sem sorrir espero que cada um e à sua maneira aprenda truques para sorrir à vida.

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