24.1.09

Júlio Fernandes [Caminhos II]

bebé



[Caminhos II]


Parte I

1.

Ainda que procure a eternidade beijando o papel com
pensamentos, fechando as palavras em capas vistosas
e títulos sonantes, para que alguém fale com elas; ainda
assim, também eu e elas estamos sujeitos ao esquecimento
que o tempo lança sobre as coisas.
E se hoje são verdade e cantam o momento,
hão-de perder a sua arrogância — a evolução continua
e o papel estagna apenas o… — Agora!

2.

Tenho pena do que escrevo — o silêncio diz mais
e melhor através do som dos ecos que te entram
pelos olhos, enquanto me bebes e apalpas
na mesma cama. Se frente ao espelho a tuas letras
se abrissem, mais um coração bateria nas mãos
do tempo! Há que chorar e rir e, depois do parir,
há que criar e fazer florir — nem que seja a dor!

3.

O tempo voa no mesmo compasso em que a morte
caminha na avenida dos nascidos. Foge entre os dedos
em cada sopro, ou batida de coração. Rega-se
nas veias da vida sequioso de eternidade. Não fecha
os olhos e a todos cobre na mesma toalha de vermes
onde derreto o que sou. Mesmo as palavras
esvaecer-se-ão no mesmo compasso em que as folhas
amarelecerão e ficarão caladas no eco de consciência…
— Para o bem ou para o mal? — Não sei!

4.

Ainda o peso dos dedos na areia fina e o mar
a sussurrar o sal às nuvens brincalhonas de Outubro.
Entre os círios do rosto — a espuma de onda
rebentada em meu corpo pela agitação do vento
de teus lábios. Os ecos, a entrar pelos olhos,
caem na borda da praia, arrastados pelo interior
da paixão da água sobre seu leito de areia
pingando nos ouvidos.

5.

O medo: essa coisa de não confiar
aos dedos os pensamentos
nem a estes o coração. — O medo!

Será que ele também ama a liberdade?…

Às vezes penso eternizar-me no que escrevo.
Haverá uma moda para o que digo?, sim. Acredito!
Mas passará como todas as modas da história da razão.
— Merda!

6.

Ainda que todas as faces da Verdade fossem minhas,
teria medo do que penso, do que digo, do que faço;
pois que também eu vejo as coisas através do meu sol.
E será que ela é maior do que a dos outros? E se o fosse,
não aumentaria as minhas responsabilidades — pois que
conhecendo-A me é exigido dá-lA a conhecer.

De facto, sou o primeiro obstrutor da Verdade.
Mondo-A seguindo os meus desejos —
os meus propósitos — em vista aos meus fins.
Na notoriedade julgo-me deus!; mas apenas existe
um Deus e só Ele sabe o porquê do Caminho
para onde me atira — que hei-de forçosamente seguir,
embora, às vezes, pense que não!
— E lá chegado, dentro da minha circunstância, que dizer?!

7.

No esotérico conhecimento das coisas que aborrecem,
cai o tempo na vaidade, atiro a melancolia pró papel
com azedume e o amor com toda a luz
das prostitutas de viela — taberneiro que sou
servindo ambiguidades às mão cheias…

8.

Como bombeiro tapo o tempo com a ponta
duma mangueira jorrando — sem respostas
verdadeiras — o sol dos momentos
em que as mãos tecem o conforto,
as ideias, os sentimentos.

Embalo o tempo ao sabor das chamas
que me corroem. No interior duma panela
de caldo — as batatas grelam nas hortas
entre trovoadas e apertos de terra morta
que nem o estrume consegue alimentar —
ainda assim, teimo as verdades que me parecem luz
e, sofregamente, atiro às pedras a incompreensão.
Talvez um dia saiba parar, reflectir e dizer:
— Também eu borro de nada uma folha de papel,
deitada em teu corpo!

9.

Ainda que soubesse escrever com singularidade,
que importa isso, se não leva a alma nem o corpo
como estandarte? — Beijo as pedras como quem beija
cães cobertos de peçonha e sigo rumo a um veterinário
artístico sujo de tinta — reflexo de alma em cada tela
da "arte" que vou compondo.

Pudessem as letras advogar e as palavras
julgar os actos de escrita e há muito estaria
enclausurado, com guardas severos guardando
as portas por onde saem as prostitutas
do pensamento!

10.

E quando a minha caneta acabar, compro outra, prometo!
Sem borrar papel não vejo o sol, nem a beleza das nuvens
quando choram a neve que me leva contra os muros da berma.

É assim mesmo, mando compor o carro ou compro novo.
Sem andar à deriva é que não posso e não acredito em porto
seguro entre as palavras que me asfixiam por dentro
e aquelas que me fazem extasiar na panela onde se coze
mais um pedaço insosso da vida que caminha ligeira
para os braços da terra húmida — que não se importa
nem rejeita a carne putrefacta, antes a consome…
às gargalhadas!

Júlio Fernandes

3 comentários:

Graça disse...

Ana,

andei a passear por este seu blogue... e gostei tanto. Volto.

Bj e bom Domingo

Graça

jorge vicente disse...

oi, ana

tens um jogo para ti no meu blog!!!

uma grande joca
jorge

Iara Maria Carvalho disse...

lindos os versos, Ana!

saudades de vc!

beijocas!

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