
É no final de vida que o quase se encontra! A verdade aproxima-se calma e sem deslizes. Sabes, quando partires tens que deixar cá todas as lágrimas que te deram. Está quase a acontecer…, a cada dia que passa os olhos secam mais.
«Serás igual a mim», disse a mãe. Consegui sê-lo, até no despejar de lágrimas. Mas nunca me disse que iria ser mãe de gente, talvez fosse de algo no aspecto criativo; de algo que também corria o risco de abortar ou que me raptassem o filho depois de ele nascer e já saber ler e escrever. Ela disse que quando os olhos secassem devia ir livre.
Tudo pode acontecer como Ela havia pensado!, com a diferença de que no seu tempo tinha de suportar os maus tratos da vida sem se poder divorciar deles. Quase a amo.
Mãe, a meio da minha idade desobedeci e cortei metade do corpo. A consequência do meu desvio concentrou-se na mente na forma de abandonar parcialmente o passado. Ai que falta ele me faz para me lembrar o "todo" amor que te tinha.
Num corpo, o quase, ao lado, o pâncreas procura dados antigos de maternidade e encontra-os nas recordações que mais parecem infantis para repor o que tento reformar. No meio deste lixo, mais lixo, e os dados informam para não consumir mais doçura e escorar o excesso, senão secam-me os olhos mais cedo.
Com a separação, do pâncreas e do saco das lágrimas, a cabeça só se sente metade de dor. Imaginas, mãe, metade duma lágrima a escorrer pela meia face? …
Ai!, e eu que reconhecia as lágrimas como a minha sorte! Mas… que sorte! Sorte tenho porque essa, inteira, mais inteligente do que o pâncreas e a insulina, conseguiu fugir do corte do corpo.
Parece quase irreal, tudo isto…, como se fosse possível um corpo andar perdido no sangue, e a alma, escondida nele, pudesse duplicar-se quando me secarem os olhos e fruir novo sangue e um novo pâncreas em folha.
Ana Maria Costa