É no final de vida que o quase se encontra! A verdade aproxima-se calma e sem deslizes. Sabes, quando partires tens que deixar cá todas as lágrimas que te deram. Está quase a acontecer…, a cada dia que passa os olhos secam mais.
«Serás igual a mim», disse a mãe. Consegui sê-lo, até no despejar de lágrimas. Mas nunca me disse que iria ser mãe de gente, talvez fosse de algo no aspecto criativo; de algo que também corria o risco de abortar ou que me raptassem o filho depois de ele nascer e já saber ler e escrever. Ela disse que quando os olhos secassem devia ir livre.
Tudo pode acontecer como Ela havia pensado!, com a diferença de que no seu tempo tinha de suportar os maus tratos da vida sem se poder divorciar deles. Quase a amo.
Mãe, a meio da minha idade desobedeci e cortei metade do corpo. A consequência do meu desvio concentrou-se na mente na forma de abandonar parcialmente o passado. Ai que falta ele me faz para me lembrar o "todo" amor que te tinha.
Num corpo, o quase, ao lado, o pâncreas procura dados antigos de maternidade e encontra-os nas recordações que mais parecem infantis para repor o que tento reformar. No meio deste lixo, mais lixo, e os dados informam para não consumir mais doçura e escorar o excesso, senão secam-me os olhos mais cedo.
Com a separação, do pâncreas e do saco das lágrimas, a cabeça só se sente metade de dor. Imaginas, mãe, metade duma lágrima a escorrer pela meia face? …
Ai!, e eu que reconhecia as lágrimas como a minha sorte! Mas… que sorte! Sorte tenho porque essa, inteira, mais inteligente do que o pâncreas e a insulina, conseguiu fugir do corte do corpo.
Parece quase irreal, tudo isto…, como se fosse possível um corpo andar perdido no sangue, e a alma, escondida nele, pudesse duplicar-se quando me secarem os olhos e fruir novo sangue e um novo pâncreas em folha.
Ana Maria Costa
8 comentários:
Como os afectos são orgânicos nesta estória. Como os humores corporais e os sentimentos são uma e a mesma matéria de que os vampiros se alimentam....
Por aqui vou passando....
Até breve
Um texto que parece ter 'metade' a ver com toda a minha cabeça...reverencio-te, nesse instante, amiga poeta.
besos
El
minha amiga de afetos intocáveis, e tocantes.
vc é linda em verso e prosa.
um grande beijo!
oi tudo bem? puxa.. belas palavras..belas mesmo.. reflexivo e lascivo com os pensamentos... bom..coloquei um texto no meu espaço..não é meu.. mais reflete o que penso..em breve postarei o que anda pensando e escrevendo..grato pela visita...
Adorei!
Ah mas esta calmaria aprisionada
Sobe ao celeste um frio arrepio
Entre o mar e as negras pedras
Vive um coração de onde escorre um rio
Onde moram sereias douradas
Onde os peixes falam de amor
Onde as pedras são felizes
Onde as águas lavam o rancor
Boa fim de semana
Doce beijo
Excelente, Ana! Sensível texto que nos sensibiliza até as entranhas.
Beijos
Muito belo... intenso e sensível..
parabéns
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