(ou da loucura da poesia)
Estive doente
a poesia é essa doença sã
essa lúcida loucura
que salta dos abissais da alma
irrompe das entranhas do coração
e ganha corpo e vida e luz e imensidão
e se multiplica
no coração dos homens
Doente dos olhos,a poesia é cega
infinitamente cega
uma enorme monumental estranha cegueira
a que ilumina
o mundo
a que dá olhos aos que não sentem
luz aos que não falam
voz aos que não ouvem
a que se oferece guia
aos deserdados os perdidos os descaminhados
pelo mundo
Doente da boca,
a palavra e a boca
a boca e a pedra
a pedra e o som
o som e o silêncio
o silêncio e a noite
a noite e o dia:
o dia-a-dia da poesia
em busca do poema que se esconde
no riso e no choro
no belo e no abjeto
no claro e no escuro
do mundo
Dos nervos até.não há poema no vazio
não há poema sem sangue
não há poema sem nervos
Estou em repouso,
o repouso do poema
é uma miragem:
a poesia nunca se recolhe em paz
nunca se deixa pacificar
a poesia é a alma em ebulição
o coração aos berros
(como uma virgem à espera
do êxtase que nunca vem)
Não posso escrever.
a poesia dispensa as máquinas
a poesia prescinde da mão
pouco importa à poesia
a mão que grafa
a mente que opera
(pouco importa)
não importa
a escolha cerebrina de palavras
a escolha ditada
a escolha não-escolha
(a poesia escrita
- muitas vezes -
é uma traição
desavergonhada à poesia)
Eu quero um punhado
De estrelas maduras,
ah! a metáfora!
ah! essa divina loucura
(a mais pura a mais virginal a mais divina criação humana)
a
que nos leva ao escape da danação de ser
ser imperfeito
ser (eternamente) inconcluso
ser em eterno sendo
ah! a metáfora
a sacra mentira
o refúgio
do inferno da mentira
o abrigo
do desespero de existirmos num mundo
de falsas verdades
de falsas ilusões
de falsas invenções de ser
Eu quero a doçura do verbo viver.
a poesia nos devolve a exata dimensão do
que somos
e nos revela a inesgotável imensidão do
que podemos ser
(sendo)
©Bosco Sobreira(Os versos, em
verde, são De um louco anônimo - transcrito por
Caco Barcelos na reportagem Crime e loucura, publicada na extinta Folha da Manhã, Porto Alegre, RS.).
Para ler o poema na íntegra,
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